Mulheres compram mais carros,
descobrem o prazer de dirigir e provocam mudanças nos modelos que
saem das fábricas
ANDRÉA MICHAEL
"Dirijo com calma. Isso não
quer dizer ir devagar. Sempre que dá, piso e costuro. Carro, para
mim, tem que andar." O veredicto é da empresária paulista
Laura Frison. Das viagens aos Estados Unidos, ela trouxe a intimidade e
o gosto pelos utilitários. E graças à abertura de
mercado, tornou-se feliz proprietária de uma Pathfinder branca,
da japonesa Nissan. "Aguenta firme a buraqueira da cidade", explica ela.
Mas a opção muda quando se trata de estrada. "Tenho um BMW
328. Num piscar de olhos chego com segurança à emoção
dos 140 quilômetros por hora." Apaixonada por velocidade, o sonho
da empresária agora é um Porsche 911 RS - amarelo, de preferência.
Sempre que pode, faz uma visita à revendedora para admirar a peça.
"É tão perfeito que parece que dá para vestir. Seu
único problema está no preço: por menos de R$ 280
mil ninguém leva um desses." Para quem acha que carro é coisa
de homem, pode surpreender o fato de Laura não ser uma exceção.
Nos últimos 15 anos, o número de mulheres que possuem automóveis
saltou de 17% para 38% do total brasileiro. Na verdade, o mercado automotivo
é vulnerável, sobretudo, à vontade feminina. Basta
considerar que nem sempre mães e filhas constam como proprietárias
oficiais dos veículos, muitas vezes registrados em nome do marido
ou do pai. Além disso, elas têm o voto de Minerva no momento
da compra. "Se os homens vêm sozinhos à concessionária,
acabam voltando depois com as esposas. No fundo, são elas que dão
o sinal verde", diz Sônia Regina Fernandes Costa, que, junto com
as quatro irmãs e a mãe, Maria de Lourdes Cardoso Fernandes,
comanda a concessionária Cliper S/A, na zona norte do Rio de Janeiro.
As montadoras não podem mais
ignorar as aspirações femininas na hora de colocar seu produto
no mercado. "Passar por cima disso é pedir o fracasso", diz Luiz
Muraca, gerente de planejamento de vendas e marketing da Volkswagen. A
montadora alemã leva a sério essa premissa. Fruto das reclamações
das compradoras, o botão quadrado acionado para abrir o porta-luvas
foi substituído por um tipo de alavanca. Motivo: evitar quebrar
as unhas mais compridas. "Temos feito um enorme esforço junto aos
fornecedores para que as partes plásticas utilizadas no interior
do carro sejam bem-acabadas, sem deixar saliências", explica Cristina
Belatto, única mulher no departamento de design da Volkswagen. Isso
tudo é para evitar que as meias finas sejam destruídas pelas
farpas de plástico. A inovação mais recente, que deverá
chegar ao mercado em 1998, é o espelho no quebra-sol do motorista.
Assim, elas não precisarão usar o retrovisor interno para
retocar a maquiagem. As mulheres não se limitam, porém, a
observar as firulas. "A grande preocupação é com a
praticidade. Tanto quanto possível, procuramos colocar tudo à
mão do motorista", diz Cristina.
Há três anos, a decoradora
Yolanda Zimmerman se viu frente à possibilidade de realizar um sonho
antigo: comprar um Citroën. "Eu queria ter novamente o prazer de conduzir
o primeiro carro que dirigi, há 36 anos: um Citroën preto com
um pneu na traseira", lembra ela. "Além disso, eu trabalho muito
na rua, fico no carro pelo menos seis horas por dia e preciso de conforto."
O modelo XM da Citroën deu a Yolanda o que ela queria: os controles
estão todos à mão e basta um toque de dedos para regular
retrovisores, banco, direção e CD player. Foi também
com um simples toque que ela se livrou das inconveniências dos temporais
paulistanos no início de dezembro. "Apertei um botão e o
carro ficou 50 centímetros mais alto. Atravessei a cidade como se
estivesse flutuando nas gôndolas de Veneza", conta Yolanda, satisfeita
com seu carro verde-metálico.
E por falar em cores - num mercado
em que o branco lidera a preferência de público, com 11% das
vendas -, as mulheres são as principais adeptas das novas tonalidades.
Foi a partir de uma enquete com representantes do sexo feminino que a Volkswagen
colocou no mercado o verde light, uma das principais inovações
dessa marca em 1997. "Cor é fundamental na hora de escolher. Tem
que combinar com a nossa personalidade", diz a consultora financeira Andrea
de Lamare. Há três anos, ela se rendeu aos encantos de um
Tempra vermelho-vivo, com bancos de couro. Um ano depois, percebeu que
fizera a escolha errada. "Eu sou agressiva, tanto quanto aquele vermelho,
mas contemporizo. E isso ele não fazia." Tropeço consumado,
Andrea descobriu que era fundamental que o carro também combinasse
com sua profissão. "Eu acompanho negócios de grande vulto
e o ideal é não chamar a atenção das pessoas.
Transito de lugares ricos para o chão de fábrica no intervalo
de horas. O Tempra vermelho nunca poderia passar despercebido." A hipótese
de um motorista particular também estava descartada. "Já
tive, mas eles não entendem sua pressa nem conhecem os caminhos
como você." Aos 37 anos, essa carioca que mora em São Paulo
resolveu investir na discrição e partiu para um Peugeot 306,
2.0, 16 válvulas, cinza. O modelo é esportivo. "Com ele eu
posso lenhar nas ruas." Entenda-se: costurar e cortar. Ciente de que é
impossível fugir dos congestionamentos, Andrea trabalha dentro do
próprio carro. Carrega calhamaços de relatórios no
banco traseiro e aproveita o tempo morto dos engarrafamentos para colocar
a leitura em dia.
Se para Andrea o automóvel
serve como gabinete de trabalho, para Tatiana Lobetto o veículo
é o próprio trabalho. Seu primeiro professor foi o amigo
Christian Fittipaldi, que a ensinou a dirigir quando tinha apenas 11 anos.
Aos 15, Tatiana não resistiu e, às escondidas, foi dar uma
voltinha com o carro do pai, Carlos Alberto Lobetto, o Pete. Bateu. Pete,
que correra ao lado de Émerson Fittipaldi na categoria superkarts,
arrancou da filha a promessa de que o incidente não se repetiria.
"Em troca, ele me levou para as pistas de kart." Hoje Tatiana está
no segundo ano de engenharia mecânica, "para dar uma força
ao pessoal na hora de regular o carro", e acabou de concluir o curso Russel
Racing de pilotagem, no autódromo de Sears Point, na cidade de Sonoma,
a 40 quilômetros de San Francisco - mesma escola por que passou Jacques
Villeneuve. "Tenho que ser perseverante se quiser seguir carreira", sentencia
a piloto, 21 anos, que pretende ingressar agora na Fórmula Chevrolet,
no Brasil, ou na categoria Skip Barber Dodge, nos Estados Unidos.
Tatiana estreou este ano na categoria
Copa Corsa e, apesar de ter conquistado um modesto 20º lugar no campeonato
paulista, é considerada como um dos dez melhores pilotos de São
Paulo. "O segredo é ser fria para dirigir e ter muita calma, ultrapassar
com segurança", diz. A lição da jovem nas pistas parece
ser regra para as mulheres também fora dos autódromos. Segundo
o DNER, apenas 3% dos acidentes ocorridos em estradas brasileiras têm
como responsáveis as mulheres. Pesquisas realizadas por companhias
seguradoras mostram que dá mais lucro fazer seguro para "elas" que
para "eles". Os levantamentos da Itaú Seguros indicam que as mulheres
batem 10% menos que os homens. "Nada mais justo do que conceder a elas
um plano diferenciado, com direito a desconto inicial de 10%", afirma Fernando
Reinhardt, gerente da Itaú Seguros. Na Unibanco Seguros, onde o
desconto para as clientes é de 6%, um acompanhamento sistemático
dos benefícios pagos pela companhia mostrou que em geral os consertos
solicitados por mulheres saem entre 15% e 20% mais barato do que os estragos
causados pelos homens.
As motoristas buscam se sentir seguras
quando estão ao volante. Itens como ar-condicionado e vidro elétrico
são mais procurados por mulheres que por homens - 30% contra 21%,
no primeiro caso, e 32% contra 28%, no segundo. "Parece luxo, mas é
uma questão de segurança você ter agilidade para fechar
os vidros. Isso pode fazer a diferença na hora de se livrar de um
assalto", explica Herivelto de Sousa, gerente de produto da linha Escort,
da Ford. A atriz Paula Burlamaqui concorda. "Carro tem que ter conforto.
Não conseguiria mais ter um automóvel sem ar-condicionado
e direção hidráulica", diz ela, dona de um Citroën
ZX preto 96.
Para quem curte o prazer de estar
ao volante, nem mesmo o trânsito caótico de São Paulo
é motivo de desânimo. Maria Aparecida Trindade, 46 anos, há
12 é taxista e não pretende mudar de ramo. "Quando dirijo,
sinto-me como a rainha do mundo", confessa. Trindade, como é chamada
pelos colegas de praça, ingressou na profissão para completar
o salário de professora da rede pública municipal. "Mas o
que eu conseguia com uma semana de bico era maior do que eu ganhava em
um mês na escola. Aí decidi ficar só na praça."
Hoje, ela ganha uma média de R$ 3,5 mil e faz aquilo que mais gosta:
dirigir. Esse gosto ela cultiva desde a adolescência, quando participava
de ralis com um Opala seis cilindros de portas soldadas ou enfrentava trilhas
com jipes. Trindade tem outras habilidades além do volante. Domina
mecânica de motores e arrisca conselhos para alguns passageiros.
"Como sou mulher, eles acabam se abrindo, contando seus problemas. Se pedem
palpite, eu dou. Acho que no fundo o taxista, que conduz todo tipo de pessoa,
tem que ser um pouco psicólogo", explica.
Desde o pioneirismo da alemã
Berta Benz (mulher do fundador da Mercedes-Benz), a primeira mulher a dirigir
um carro a 13 quilômetros por hora, em 1885, muita coisa mudou. A
presença feminina hoje está até mesmo no que se pode
chamar de bastidores do mundo dos automóveis. Um bom exemplo é
Ana Maria Jacob, que dedicou os 14 últimos anos às concessionárias.
Começou na área administrativa e depois passou a promotora
de vendas da oficina. De vez em sempre, ela substituía consultores
técnicos em férias. "Eu tinha que receber os carros, diagnosticar
o defeito e encaminhar para a mecânica. Fui fazendo cursos, lendo
e, na prática, aprendi tudo sobre motores", conta Ana Maria. Três
anos atrás, ela se viu diante da oportunidade mais esperada de sua
vida. "Me convidaram para assumir oficialmente a função de
consultor técnico. Foi o maior desafio da minha vida."
A começar pelo tabu. No início,
os clientes da concessionária Primo Rossi, onde Ana Maria trabalha,
não queriam ser atendidos por ela. "Eles diziam que mulher não
entendia de carro. Minha resposta era simples: se não me aceitassem,
teriam de esperar até meia hora para ser atendidos por um homem."
Hoje ela tem clientela própria, que não raro entrega a seus
cuidados frotas de empresas inteiras. A prática ensinou-lhe, por
exemplo, que carro dirigido por mulheres merece um maior cuidado com as
pastilhas de freio. "Elas freiam mais que os homens". Sem se importar com
discriminação, Ana Maria curte sua mais nova paixão.
"O motor 16 válvulas é o máximo. Não canso
de olhar a beleza dos pistons prateados, trabalhando pela potência."
Um amor incompreensível para quem ainda pensa que carro é
coisa de homem.
Colaborou Simone Bloris,
do Rio