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    Donas do volante

15 de janeiro de 1997

 
Mulheres compram mais carros, descobrem o prazer de dirigir e provocam mudanças nos modelos que saem das fábricas
 

ANDRÉA MICHAEL

"Dirijo com calma. Isso não quer dizer ir devagar. Sempre que dá, piso e costuro. Carro, para mim, tem que andar." O veredicto é da empresária paulista Laura Frison. Das viagens aos Estados Unidos, ela trouxe a intimidade e o gosto pelos utilitários. E graças à abertura de mercado, tornou-se feliz proprietária de uma Pathfinder branca, da japonesa Nissan. "Aguenta firme a buraqueira da cidade", explica ela. Mas a opção muda quando se trata de estrada. "Tenho um BMW 328. Num piscar de olhos chego com segurança à emoção dos 140 quilômetros por hora." Apaixonada por velocidade, o sonho da empresária agora é um Porsche 911 RS - amarelo, de preferência. Sempre que pode, faz uma visita à revendedora para admirar a peça. "É tão perfeito que parece que dá para vestir. Seu único problema está no preço: por menos de R$ 280 mil ninguém leva um desses." Para quem acha que carro é coisa de homem, pode surpreender o fato de Laura não ser uma exceção. Nos últimos 15 anos, o número de mulheres que possuem automóveis saltou de 17% para 38% do total brasileiro. Na verdade, o mercado automotivo é vulnerável, sobretudo, à vontade feminina. Basta considerar que nem sempre mães e filhas constam como proprietárias oficiais dos veículos, muitas vezes registrados em nome do marido ou do pai. Além disso, elas têm o voto de Minerva no momento da compra. "Se os homens vêm sozinhos à concessionária, acabam voltando depois com as esposas. No fundo, são elas que dão o sinal verde", diz Sônia Regina Fernandes Costa, que, junto com as quatro irmãs e a mãe, Maria de Lourdes Cardoso Fernandes, comanda a concessionária Cliper S/A, na zona norte do Rio de Janeiro. 
 

As montadoras não podem mais ignorar as aspirações femininas na hora de colocar seu produto no mercado. "Passar por cima disso é pedir o fracasso", diz Luiz Muraca, gerente de planejamento de vendas e marketing da Volkswagen. A montadora alemã leva a sério essa premissa. Fruto das reclamações das compradoras, o botão quadrado acionado para abrir o porta-luvas foi substituído por um tipo de alavanca. Motivo: evitar quebrar as unhas mais compridas. "Temos feito um enorme esforço junto aos fornecedores para que as partes plásticas utilizadas no interior do carro sejam bem-acabadas, sem deixar saliências", explica Cristina Belatto, única mulher no departamento de design da Volkswagen. Isso tudo é para evitar que as meias finas sejam destruídas pelas farpas de plástico. A inovação mais recente, que deverá chegar ao mercado em 1998, é o espelho no quebra-sol do motorista. Assim, elas não precisarão usar o retrovisor interno para retocar a maquiagem. As mulheres não se limitam, porém, a observar as firulas. "A grande preocupação é com a praticidade. Tanto quanto possível, procuramos colocar tudo à mão do motorista", diz Cristina. 

Há três anos, a decoradora Yolanda Zimmerman se viu frente à possibilidade de realizar um sonho antigo: comprar um Citroën. "Eu queria ter novamente o prazer de conduzir o primeiro carro que dirigi, há 36 anos: um Citroën preto com um pneu na traseira", lembra ela. "Além disso, eu trabalho muito na rua, fico no carro pelo menos seis horas por dia e preciso de conforto." O modelo XM da Citroën deu a Yolanda o que ela queria: os controles estão todos à mão e basta um toque de dedos para regular retrovisores, banco, direção e CD player. Foi também com um simples toque que ela se livrou das inconveniências dos temporais paulistanos no início de dezembro. "Apertei um botão e o carro ficou 50 centímetros mais alto. Atravessei a cidade como se estivesse flutuando nas gôndolas de Veneza", conta Yolanda, satisfeita com seu carro verde-metálico. 
 

E por falar em cores - num mercado em que o branco lidera a preferência de público, com 11% das vendas -, as mulheres são as principais adeptas das novas tonalidades. Foi a partir de uma enquete com representantes do sexo feminino que a Volkswagen colocou no mercado o verde light, uma das principais inovações dessa marca em 1997. "Cor é fundamental na hora de escolher. Tem que combinar com a nossa personalidade", diz a consultora financeira Andrea de Lamare. Há três anos, ela se rendeu aos encantos de um Tempra vermelho-vivo, com bancos de couro. Um ano depois, percebeu que fizera a escolha errada. "Eu sou agressiva, tanto quanto aquele vermelho, mas contemporizo. E isso ele não fazia." Tropeço consumado, Andrea descobriu que era fundamental que o carro também combinasse com sua profissão. "Eu acompanho negócios de grande vulto e o ideal é não chamar a atenção das pessoas. Transito de lugares ricos para o chão de fábrica no intervalo de horas. O Tempra vermelho nunca poderia passar despercebido." A hipótese de um motorista particular também estava descartada. "Já tive, mas eles não entendem sua pressa nem conhecem os caminhos como você." Aos 37 anos, essa carioca que mora em São Paulo resolveu investir na discrição e partiu para um Peugeot 306, 2.0, 16 válvulas, cinza. O modelo é esportivo. "Com ele eu posso lenhar nas ruas." Entenda-se: costurar e cortar. Ciente de que é impossível fugir dos congestionamentos, Andrea trabalha dentro do próprio carro. Carrega calhamaços de relatórios no banco traseiro e aproveita o tempo morto dos engarrafamentos para colocar a leitura em dia. 
 

Se para Andrea o automóvel serve como gabinete de trabalho, para Tatiana Lobetto o veículo é o próprio trabalho. Seu primeiro professor foi o amigo Christian Fittipaldi, que a ensinou a dirigir quando tinha apenas 11 anos. Aos 15, Tatiana não resistiu e, às escondidas, foi dar uma voltinha com o carro do pai, Carlos Alberto Lobetto, o Pete. Bateu. Pete, que correra ao lado de Émerson Fittipaldi na categoria superkarts, arrancou da filha a promessa de que o incidente não se repetiria. "Em troca, ele me levou para as pistas de kart." Hoje Tatiana está no segundo ano de engenharia mecânica, "para dar uma força ao pessoal na hora de regular o carro", e acabou de concluir o curso Russel Racing de pilotagem, no autódromo de Sears Point, na cidade de Sonoma, a 40 quilômetros de San Francisco - mesma escola por que passou Jacques Villeneuve. "Tenho que ser perseverante se quiser seguir carreira", sentencia a piloto, 21 anos, que pretende ingressar agora na Fórmula Chevrolet, no Brasil, ou na categoria Skip Barber Dodge, nos Estados Unidos.

Tatiana estreou este ano na categoria Copa Corsa e, apesar de ter conquistado um modesto 20º lugar no campeonato paulista, é considerada como um dos dez melhores pilotos de São Paulo. "O segredo é ser fria para dirigir e ter muita calma, ultrapassar com segurança", diz. A lição da jovem nas pistas parece ser regra para as mulheres também fora dos autódromos. Segundo o DNER, apenas 3% dos acidentes ocorridos em estradas brasileiras têm como responsáveis as mulheres. Pesquisas realizadas por companhias seguradoras mostram que dá mais lucro fazer seguro para "elas" que para "eles". Os levantamentos da Itaú Seguros indicam que as mulheres batem 10% menos que os homens. "Nada mais justo do que conceder a elas um plano diferenciado, com direito a desconto inicial de 10%", afirma Fernando Reinhardt, gerente da Itaú Seguros. Na Unibanco Seguros, onde o desconto para as clientes é de 6%, um acompanhamento sistemático dos benefícios pagos pela companhia mostrou que em geral os consertos solicitados por mulheres saem entre 15% e 20% mais barato do que os estragos causados pelos homens. 
 

As motoristas buscam se sentir seguras quando estão ao volante. Itens como ar-condicionado e vidro elétrico são mais procurados por mulheres que por homens - 30% contra 21%, no primeiro caso, e 32% contra 28%, no segundo. "Parece luxo, mas é uma questão de segurança você ter agilidade para fechar os vidros. Isso pode fazer a diferença na hora de se livrar de um assalto", explica Herivelto de Sousa, gerente de produto da linha Escort, da Ford. A atriz Paula Burlamaqui concorda. "Carro tem que ter conforto. Não conseguiria mais ter um automóvel sem ar-condicionado e direção hidráulica", diz ela, dona de um Citroën ZX preto 96.

Para quem curte o prazer de estar ao volante, nem mesmo o trânsito caótico de São Paulo é motivo de desânimo. Maria Aparecida Trindade, 46 anos, há 12 é taxista e não pretende mudar de ramo. "Quando dirijo, sinto-me como a rainha do mundo", confessa. Trindade, como é chamada pelos colegas de praça, ingressou na profissão para completar o salário de professora da rede pública municipal. "Mas o que eu conseguia com uma semana de bico era maior do que eu ganhava em um mês na escola. Aí decidi ficar só na praça." Hoje, ela ganha uma média de R$ 3,5 mil e faz aquilo que mais gosta: dirigir. Esse gosto ela cultiva desde a adolescência, quando participava de ralis com um Opala seis cilindros de portas soldadas ou enfrentava trilhas com jipes. Trindade tem outras habilidades além do volante. Domina mecânica de motores e arrisca conselhos para alguns passageiros. "Como sou mulher, eles acabam se abrindo, contando seus problemas. Se pedem palpite, eu dou. Acho que no fundo o taxista, que conduz todo tipo de pessoa, tem que ser um pouco psicólogo", explica. 

Desde o pioneirismo da alemã Berta Benz (mulher do fundador da Mercedes-Benz), a primeira mulher a dirigir um carro a 13 quilômetros por hora, em 1885, muita coisa mudou. A presença feminina hoje está até mesmo no que se pode chamar de bastidores do mundo dos automóveis. Um bom exemplo é Ana Maria Jacob, que dedicou os 14 últimos anos às concessionárias. Começou na área administrativa e depois passou a promotora de vendas da oficina. De vez em sempre, ela substituía consultores técnicos em férias. "Eu tinha que receber os carros, diagnosticar o defeito e encaminhar para a mecânica. Fui fazendo cursos, lendo e, na prática, aprendi tudo sobre motores", conta Ana Maria. Três anos atrás, ela se viu diante da oportunidade mais esperada de sua vida. "Me convidaram para assumir oficialmente a função de consultor técnico. Foi o maior desafio da minha vida." 

A começar pelo tabu. No início, os clientes da concessionária Primo Rossi, onde Ana Maria trabalha, não queriam ser atendidos por ela. "Eles diziam que mulher não entendia de carro. Minha resposta era simples: se não me aceitassem, teriam de esperar até meia hora para ser atendidos por um homem." Hoje ela tem clientela própria, que não raro entrega a seus cuidados frotas de empresas inteiras. A prática ensinou-lhe, por exemplo, que carro dirigido por mulheres merece um maior cuidado com as pastilhas de freio. "Elas freiam mais que os homens". Sem se importar com discriminação, Ana Maria curte sua mais nova paixão. "O motor 16 válvulas é o máximo. Não canso de olhar a beleza dos pistons prateados, trabalhando pela potência." Um amor incompreensível para quem ainda pensa que carro é coisa de homem.

Colaborou Simone Bloris, do Rio

Copyright 1997 Editora Três
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