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Jovens
pobres que imitam os clubbers ricos
formam a nova
tribo da periferia de São Paulo
Celso Masson
Antonio Milena
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Cybers
de Campo
Limpo:
infundindo
cor a um cotidiano
cinzento
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Depois
dos punks, dos skinheads e da galera do hip hop, uma nova tribo irrompe
na periferia de São Paulo. São os cybermanos, adolescentes
que usam cabelos coloridíssimos, piercings e figurinos em que predominam
lentes de contato estampadas e acessórios dos mais estrambóticos.
O visual é uma versão esquálida do de outra turma:
a dos clubbers, aquela gente da classe média que gasta a mesada
dançando ao som de música eletrônica e se vestindo
como alienígenas da série Perdidos
no Espaço. Foram
os mauricinhos do bate-estaca, aliás, que inventaram o nome para
designar os "manos" pobres que invadiram sua praia (cyber vem do termo
inglês para cibernética). São também os mauricinhos
do bate-estaca a barrar muitas vezes o pessoal que viaja horas de trem
e ônibus para chegar às casas noturnas que fazem parte do
circuito do "babado", que é como os clubbers chamam a sua curtição.
Quando não conseguem entrar, os coitados permanecem na porta até
o amanhecer.
Ser um cybermano
é basicamente tentar infundir cor a um cotidiano cinzento e sem
perspectivas. Nem que para isso seja preciso gastar todo o salário.
O mecânico de caminhões Edson Correa do Nascimento, mais conhecido
como "Ratão", já chegou a torrar 600 reais num único
mês para adquirir roupas de vinil, sapatos plataforma e bijuterias.
"Comprar uns panos legais foi a maneira que encontrei para ser aceito pela
elite que freqüenta os clubes da moda", diz Ratão, de 19 anos,
que mora nos fundos de um bar da cidade de Jundiaí. Embora a noite
nem sempre seja uma comunhão social, os cybermanos encaram as pistas
de dança dos bacanas como uma espécie de refúgio lisérgico.
Nelas não existe desemprego ou violência. Eles descobriram
o mundinho principalmente pela televisão, quando começaram
a pipocar videoclipes de conjuntos de música eletrônica. Só
depois de adotar o visual extravagante e o som tecno é que os cybermanos
resolveram ter uma "ideologia". Seu modo de pensar está resumido
numa home page criada por Jorge Mascarenhas Coutinho, de Itaquaquecetuba,
na Grande São Paulo: "Todo homem tem o direito de viver como quiser.
De trabalhar. De brincar. De dançar quando quiser. De tatuar. De
perfurar. E de vestir seu corpo como quiser".
Essa
adaptação da declaração dos direitos do homem
e do cidadão é também uma resposta aos inimigos figadais
dos cybermanos, os skatistas. Volta e meia estoura a pancadaria entre as
duas tribos – ou "tretas", para usar o jargão da moçada.
"Já levei até garrafada", conta o metalúrgico Flávio
Roberto Kuprian, cyber de 18 anos. As tretas são parecidas com os
enfrentamentos entre as torcidas uniformizadas de dois times de futebol.
Ninguém sabe muito bem por que está batendo ou apanhando.
Se alguém perguntar a um skatista a razão de seu ódio
pelos cybermanos, ele dirá que os inimigos são homossexuais
e coisas que tais, em um discurso que beira o desconexo. Já um cybermano,
quando indagado a respeito, responde que os skatistas são antidemocráticos.
E tome pau.
Para se ter uma
idéia de como as brigas andam quentes, no início de novembro
onze adolescentes foram presos próximo a um ponto de encontro de
cybermanos em São Paulo. Portavam bombas caseiras, um coquetel Molotov,
rojões e um taco de beisebol. Na delegacia, disseram ser skatistas,
e que estavam armados daquele jeito para se prevenir quanto a um possível
encontro com integrantes da tribo rival. Pouco antes desse episódio,
uma briga na mesma região terminou em quebra-quebra e arrastão.
Os conflitos cada vez mais freqüentes têm levado muita gente
a abrir mão do visual cyber e passar para o outro lado.
Sim, porque os skatistas em geral levam a melhor quando o assunto é
resolvido no muque.
A
grande maioria dos cybermanos, no entanto, garante que a diversão
compensa o risco. "Uma rave
é uma experiência inesquecível", diz Júlio César,
de 17 anos, ajudante-geral em uma fábrica de compensados. Ele se
refere às festas que normalmente acontecem em chácaras, regadas
a bebidas energizantes e sem hora para acabar. Júlio César
tem uma razão suplementar para não renegar seus manos: o
ibope com as garotas subiu desde que adotou o estilo cyber. Hoje, o rapaz
usa um par de cadeados como brincos, piercing na língua, outro no
queixo e mais um atravessando o antebraço. "Meu chefe não
liga e minha mãe acha que está tudo bem, desde que eu não
use drogas", diz.
Afora os skatistas,
ninguém se incomoda com os cybermanos na periferia paulistana. Eles
foram incorporados à paisagem, assim como todas as tribos que os
antecederam. Recentemente, viraram tema de ensaio fotográfico numa
edição dedicada ao Brasil da revista Big,
badaladíssima publicação de Nova York que fala de
moda, arte e comportamento. Esse fato deixou os clubbers mauricinhos morrendo
de inveja. Mas fazer o quê? Enquanto o mundinho da classe média
retratado nas colunas dos jornais é uma cópia desbotada do
que acontece nos Estados Unidos e na Europa, os desprezados cybermanos
conseguem ser um fenômeno original. Pobre querendo ser clubber é
coisa que só existe no Brasil, um país aonde os modismos
e movimentos juvenis costumam chegar com o sinal invertido. Na Inglaterra
da década de 70, por exemplo, punks eram jovens da classe trabalhadora
que usavam roupas estranhas e cabelos coloridos para protestar contra o
sistema. Apesar de ouvir um som pesadíssimo, com letras cheias de
vitupérios, eles eram pacifistas e anti-racistas – o contrário
dos skinheads, a rapaziada careca que se vestia de preto e adorava esmurrar
negros. Os punks deste lado do mundo, porém, se vestiam de roupas
escuras, raspavam o cabelo e adoravam provocar brigas nas ruas. Estavam
mais para skinheads.
Rivais de
rodinhas
Rogerio Voltan
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Fanta,
com os amigos:
cansado de
levar a pior, o
cyber resolveu mudar
de lado. Virou
skatista |
Os inimigos dos
cybermanos, os skatistas, não gostam de música eletrônica.
Preferem rock e rap. Suas roupas, bem mais despojadas, resumem-se a camisetas
e bermudões, tênis e boné. Eles são mais diurnos
do que noturnos, embora façam incursões pelos clubes onde
se dança até o sol raiar. Nas ruas próximas a ladeiras,
onde deslizam nas pranchas com rodinhas, agem como se fossem os donos do
pedaço. Homófobos empedernidos, eles consideram o visual
esfuziante dos cybermanos pura provocação. "Já fugi
de skatistas cinco vezes e numa ocasião acabei apanhando", diz Fernando
Henrique Monteiro, de 18 anos, que costumava andar com os cybermanos de
sua cidade, Várzea Paulista. Cansado de levar a pior, acabou mudando
de lado. Embora não pinte mais o cabelo de laranja, Fernando continua
a ter o mesmo apelido da época em que pertencia à outra turma
– "Fanta". Nem todo skatista, porém, é metido a valentão.
"Quem pratica o skate como esporte não fica arrumando confusão
por aí", diz Reinaldo Caruso, redator de uma revista especializada
no assunto.
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